quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Quarto escuro – segunda versão

(nova versão de um passado que se faz presente)
(Ao Miguel e ao Lele)

Ora, não é que minha vida torna de novo ao quarto escuro?
Não sou eu novamente tateando, na busca de alguma coisa que não sei direito o que é?
Volto a protagonizar a parábola da caverna, só que diferente. Não vejo sombras, pois tudo é sombra. O breu fala comigo e me chama: Entre, Entre, deixe-me te devorar.
Sozinho. Ouço gemidos de devassidão ao meu redor. Parecem aves estranhas. Roucas. Estalos de boca contra boca. Tocam a campainha em várias gargantas. Sou um animal. Porém, ao mesmo tempo, sou humano, mais humano do que jamais havia me sentido.
Sim, tenho consciência de mim, das minhas sensações. Tenho consciência demais. Do meu lugar ali, da minha alegria, sinto amor ao meu próximo e me entrego a esse amor, como quem se joga ao mar. A escuridão me agarra, me envolve e me expande. Eu sou do tamanho do mar parcamente iluminado, mas me sinto ainda poeira do universo. Porque mesmo ali, penso. Ou sou pensado.

Um grito e gemidos de dor. Quem geme? Quem é gemido? Busco a negação, porque percebo que estou em uma ilusão. Nem vítima nem algoz, talvez mais algoz do que vítima, sim, eu sou. Estendo minhas mãos de polvo que parecem mais de duas e sinto peles e aromas. Minhas narinas estão na ponta dos dedos. Mãos invisíveis se chocam contra as minhas e me afastam, me desviam do meu alvo. Cego. Me sinto a grande cobaia das minhas experiências mais cruéis, e exulto porque, a despeito de mim e do contexto, elas dão certo.

Viajo ali, sem sair do lugar. Me expando e volto a me encolher, energias perpassam meu corpo (seria eletricidade ou só tesão?). Agora estou menor do que antes.
Paro e busco e esta busca traz frutos doces, que deixam um gosto de podre na garganta que nem um litro de minhas lágrimas inexistentes e desnecessárias poderia fazer passar.

Provoco, queimo, odeio, caio e levanto. Preciso de (mentirinha de) cada um deles, e finjo que eles precisam de mim. Às vezes, apenas. Imprescindível. Será que um dia vou não precisar me sentir nas regiões abissais? É um prazer te conceder a minha companhia... será?

Fútil, leviano e superficial de novo. Mas o verniz é o da inteligência sem limites. Olha a casca, olha! Sou tudo, e da pior espécie, da pior laia. Uma daqueles tipos apaixonante, sou uma graça, sou leve, sou como um sopro de brisa numa manhã ensolarada e morna. Mas balanço como o galho das árvores.
Preciso jorrar como uma fonte, nascente de prazeres proibidos.


Eu queria ver! Meus olhos não se acostumam nunca com a ausência de luz. Ainda está tão escuro! Ouço o chamado pelo meu nome, mas ele não me pertence mais. Eu só consigo responder um grunhido, os sons primordiais. Rio como uma hiena doente. Por que eu entrei aqui?! Você pergunta por que e não como? Quero me tornar um semideus! Quero transcender! Quero poder tudo que não pude até esse momento e viver sem culpas, sem julgamentos. E desejo..., e... (gemo e me contorço. Suspiro.) É, por enquanto, isso basta...

Natureza

Degusta-me como um gomo de jaca.
Sente o cheiro forte e as fibras grudando
nos dentes. Sente o caroço liso e robusto.
Despe-o e cospe. Masca infinitamente.
Eu sou seu pé na jaca.

Também sua minhoca.
Minhas curvas são anéis, cada um
contendo em si, meus medos, minhas
indecisões. Minhas grandes esperanças.
Suas projeções. Eu engulo suas merdas

e delas faço adubo. Serpenteio e me
contorço, na palma da sua mão, antecipando
o perfurar do anzol. Sou igualmente
sua lagartixa, quando danço. Uma hora eu corro

e só fica o rabo. Pra contar a história.