terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Psiu...! É, você mesmo...

Olá! Eu sou um personagem. Sabe, também me chamam de narrador. Eu não me importo já que como sou eu mesmo que conto essa história, eles estão certos. Não vou perder tempo me descrevendo. Assim, pode me imaginar do jeito que lhe for mais conveniente: coloque um nariz mais afilado, mais adunco, um que lhe lembre seu pai, ou um estranho visto ontem no ponto de ônibus. Só me incomoda que vocês leitores, e aí não digo todos, mas a grande maioria, me imaginam um pouco mais baixo do que realmente sou. Não ligo, já que não me interessa entrar nos méritos da trena e do metro, e me resigno a olhar o mundo, este meu mundo, devo dizer, alguns centímetros mais longe do firmamento que gostaria. Não queria começar reclamando demais. Se assim o fizer, você vai, com certeza, ficar achando que eu sou uma pessoa geniosa, uma tia velha que só sabe reclamar que vai ter insolação se está sol, ou que vai se resfriar se está chovendo. Mas realmente queria registrar mais um dos meus desconfortos para que você não ache minha posição tão invejável. Alguns leitores, ao imaginar como eu seria, confiam inteiramente no que digo, e não percebem que eu estou maquiando um pouquinho, afinal, sabendo qual é o modelo de beleza que mais agrada a maioria, vou colocar um certo charmezinho aqui e ali. Mas não sou mentiroso não. Desculpe, estava a divagar e não cheguei ao meu ponto. Alguns leitores ávidos vão direto procurado a linha do enredo, achando que eu estou ali apenas figurativamente pra dar um tom de sinceridade pra coisa toda, e nem sequer imaginam como eu seja. Sou obrigado a passar toda a história como um ser meio sem face, faltando uns pedaços e acho isso uma falta de respeito. Não acho que tenha que pensar em tudo, órgãos internos e tal, manchas de nascença, tamanho da unha, mas não guardo rancor, se você preferir não o fazer.

Hoje o mundo tá dureza pra gente da minha laia. As pessoas querem fatos cadê os fatos provem-se os fatos, e eu não sou um fato, sou um arremedo de indivíduo. Na verdade, eu diria que sou um individuo mesmo, mas daí você leitor mais espertinho ia querer entrar num debate metafísico, dizendo quem eu penso que sou pra ficar achando que sou alguém. Assim, usei a palavra arremedo pra dar uma de vítima, e me colocar num patamar abaixo de você, que é uma pessoa aí de carne e osso, respirando e transpirando. Mas vou ser sincero de novo, porque gosto de você, existo igualzinho, tenho sentimentos e sensações, até faço cocô também, mas tenho que admitir que tudo isso acontece fora dessas linhas, afinal, não se deve mostrar tudo a todos, né? Até seres como nós, os personagens, têm que ter sua privacidade.

Mas você deve estar aí pensando qual é o meu ponto. Onde este rapaz está querendo cheg... rapaz? Quem falou pra você que eu sou um rapaz? Já foi inferindo isso porque eu disse que era um personagem em vez de uma personagem? Você sentiu um certo ar másculo e testosterônico no meu modo de colocar as coisas? Posso ser uma linda donzela, e você não tinha pensado nisso, já que me comparei com seu pai, e com uma tia velha. Podia ser uma menina de quatro anos que aprendeu a ler e escrever em segredo, mas daí você com razão pensa que o meu tipo de escolha lexical não estaria muito de acordo com a minha suposta meninice, por mais prodígio que eu fosse. Tudo bem, sem mais joguinhos, não tenho quatro anos, e você já sabe qual é meu sexo. Não sabe? Bom, talvez fosse interessante que você me imagine como dois, um homem e uma mulher. E assim, perco a minha individualidade e me multiplico.

Falando em multiplicar, queria voltar novamente a um assunto que passou e se foi, mas que vale a pena ser lembrado. Sendo eu esse ser que vive aqui nesse mundo feito de imaginação, existindo ao mesmo tempo nas mentes de muitos que passam os olhos nas páginas e nas palavras, assim como você, quando várias pessoas que te conhecem se lembram de você e assim, te dão nova vida, posso, diferente de você (será)dar algumas sugestões para que o imaginador faça mudanças aqui e ali. Por isso, não diminuo minha megalomania aos que me comparam com um deus. Claro que estes não percebem que estão longe da verdade já que sou ao mesmo tempo senhor da narrativa e escravo dela, da imaginação. Posso controlar os detalhes, mas não o que será feito dele. Muitos me escapam por vergonha de dizê-los, por incapacidade. Veja lá: de que vale eu te dizer que estou usando óculos agora, se você pode me estar lendo num momento, num espaço tempo no qual os óculos foram abolidos e as pessoas não sofrem mais das enfermidades visuais que me acometem.

Mas há a mágica de contar uma história. Já percebeu que o olho das pessoas até brilha quando elas estão ouvindo uma história? Basta cativá-las, organizar bem as palavras, uma depois da outra, deixando uma ou outra de fora, moldando e limando cada frase, pensando mesclando a torrente que sai de você com um certo esforço e sem vergonha de criar. Sendo possuído por forças imemoriais da centelha da criatividade. Quebrando o silêncio, o não saber dizer, com novos dizeres.

Mas eu não chamei sua atenção, não o despertei da letargia do cotidiano para ficar aqui levantando nenhuma bandeira, a minha bandeira. Sou apenas um personagem-narrador, que vai te contar uma história, minha história, mas não agora. Desculpem-me, sinto a cabeça rodar, um cansaço tremendo. Acho que vou me retirar. Quem sabe amanhã?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Presente 2

Achei injusto colocar apenas um dos presentes se o outro é tão lindo quanto. Deixo a critério da autora se manifestar ou permitir que mais um pedaço de mim conste aqui. Não é uma delícia de ler?


O vento, eu e você


O vento veio e me trouxe saudade,
Não sei bem de quê ou de quem
Só sei que dói, machuca, me aperta o peito
Não é um vento forte nem inesperado
Porque eu sempre soube que um dia ele viria
Sabia que ele chegaria sem avisar
Então apenas deixei ele me abraçar, me envolver,
Mas desejei que ele fosse embora, porque doía demais.
E o vento me ouviu o desejo e se foi
Mas me deixou a saudade, não podia levar com ele,
Ela era muito pesada e ele muito leve, me justificou
Sussurrou, quando bateu nas folhas pra se despedir.
Eu e a saudade ficamos, desejamos juntas e esperamos,
Que um dia o vento voltasse, desta vez mais forte,
Pra sentir o abraço maior, mais envolvente, mais apertado,
E para ele poder carregar a saudade, que a cada dia crescia,
Dizia-se mais cansada, mais inquieta, sem vontade de ficar
E, um dia, sem razão, sem motivo,
Eu senti que o vento viria.E ele veio.
Forte como nunca, derrubando árvores, esvoaçando a poeira
Girando tudo á minha volta, apressado,
Fechei os olhos e caí na escuridão, no frio
Abri os olhos e o vento tinha-se ido,
Procurei a saudade e não encontrei
Olhei á minha volta e vi você.
E eu sorri, fui feliz, mergulhei no sol
E toda vez que sopra o vento, eu sinto medo estranho
De que um dia ele venha mais furioso,
Carregue você, e comece a chover.

Presentes 1

Ganhei esse poema de presente. Ele diz muito de mim, não por mim, mas por como alguém me vê. Se o autor quiser, pode se manifestar para a manutenção ou remoção do presente, mas queria vê-lo aqui... parte de mim, no meio das minhas palavras. Espero que ele não se importe. Mas tá tão lindo...

Eles

Eles vão mentir, Elton.

Eles vão mentir quando disserem que sua existência é dispensável e gratuita. Eles vão mentir quando reduzirem seu intelecto a grunhidos pós-evolutivos.

Provavelmente estão envergonhados. Provavelmente não perceberam.

Não anteviram que você, errante, resplandeceria alguns metros quadrados no coração faminto, cinzento e fabuloso da República – in English, mas com sotaque caipira. Eis teus homens, teus saberes e sabores. Tuas peripécias.

Se eles tivessem te imaginado antes do Big Bang, trocariam olhares e fariam uma pausa antes de gargalharem estúpidos. Não acreditariam que nasceria esse deus imperfeito, essa semente promissora, indivíduo apaixonante, íntegro e com sabor de tempestade.

Não. Impossível. Os átomos jamais formariam Elton.

Por isso eles mentem. Mentem porque foram surpreendidos.

O drama cósmico de luzes e sombras encontra nesses lábios aconchego, unidade e equilíbrio; o prazer de completar, sentir e trocar. Se o Big Bang foi para isso, que explodam igualzinho da próxima vez!

Eles mentem, mas eu sei. Eu sei orbitar. O mundo pode entrar em colapso – ‘dow’ jones, ‘up’ jones – mas a luz nunca apaga para quem Elton floresce. Não posso tatear o Sol, mas posso tateá-lo, e é por sua cútis que o Astro Rei se revela.

Eles? Eles não encontraram o pote de ouro. Eu encontrei, e desde então o Universo pulsa mais eloquente, mais verdadeiro.

E mais ausente. Infelizmente.