quarta-feira, 27 de outubro de 2010

De lírios - Parte V e final

(continuação Parte IV)...

Ela agora faz parte da confusão... da solidão... do vazio..... do nada.
Olha pra si mesma, um ser patético coberto de sangue e hematomas, e sente muito, se encolhe, sente por ser tão frágil, tão incompleta, tão sem sentido....
Ela se esforça, tenta de todas as maneiras se reconhecer, se pertencer, mas é em vão.
Esta não é ela. Não pode ser. Não é. Os pensamentos desordenados, a cabeça latejando.
Ela quer gritar, se libertar. Inútil. Ela já não tem mais forças, e abraça a si mesma.
Finalmente as lágrimas caem. Rolam por sua face, molham seu corpo numa tentativa inocente de lavar a alma, apagar a dor que a consome, se fortalecer e se recriar.
Ela levanta o olhar como se seus olhos pesassem mil quilos e contempla a luz do sol que cruza as grades. Fixa o olhar e tenta criar forças, se levantar. Ela se recorda do azul e do perfume dos lírios, ele se torna cada vez mais forte, mais real.....
As flores brancas, o campo, o vazio... a dor.... ele.... mas quem é ele? Quem foi? Quando?
Por quê?...... As perguntas atormentam, batem com força, insistentes, porque sim..... Ela volta a abraçar a si mesma, se encolhe, sofre, chora, se aperta, fecha os olhos e implora por paz, implora por um sono eterno. O silêncio é cortante, o perfume mais forte. Ela abre os olhos e
vê um par de asas negras.
Suas asas. Elas batem forte, automaticamente a elevando aos céus, numa velocidade estrondosa, em direção às estrelas. Ela se sente um novo cometa e sente que está voltando para casa. Ainda que sinta a umidade das lágrimas na face, e não consiga afastar do pensamento o cheiro dos lírios que lhe enchem as narinas, ela sente que sua missão terminou e isso a alegra.
Ela voa mais alto, mais rápido, quase não consegue ver as estrelas. Um anjo, uma deusa, vários poderiam ser seus nomes. Ela começa a sentir a humanidade que lhe constituía esvair-se do seu pensamento. Ela não é mais humana, não é mais mulher. Ela aprendeu a lição que ele lhe havia proposto, a grande mente que arquitetou os universos. Ela que não conseguia entender o ser humano, que observava.E não se sentia compelida a agir, ela havia sido humana, uma mulher e sentido em sua essência a dor e o vazio. Mas agora ela sabia, ela havia sido mulher e, por isso, havia concebido. Logo, a dor e o vazio seriam combatidos e eliminados. Só sobraria o cheiro dos lírios. E o amor.

(fim)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Terra Prometida


Finalmente o menino voltou de sua peregrinação. Ele traz tanta coisa na bagagem. Mas ele ainda não pode dizer nada. Sua voz calou diante das belezas do mundo e dos seus mistérios.
Ele viu a queda de suas convicções e viu que não era mais o mesmo que sempre havia sido. Menino tolo se deixa levar pelas ondas do mar e pela correnteza do rio. Sua vida vira material de musicais. Toda música se parece com ele.
Menino peregrino foi até onde se levanta um muro de lamentações. Viu guerreiras caindo uma a uma, por amor ou por desamor. Pobres guerreiras. Mulheres de fibra que são mais do que meras sombras, são luz e calor. Mas elas tombam diante do Inimigo. Elas cobram seus dízimos e se deixam dizimar.
O menino volta com a vontade renovada. Ele volta sabendo que ele falhou e não falou, ou falou, mas ainda assim, precisa ir além e precisa soltar o pé, voar e voar até suas asas doerem.
Pra quem tem duvida, eu sou o menino. Ou ele sou eu. A ordem realmente não está bem estabelecida por aqui. Acho que nem o progresso.
Menino louco que só quer ser entendido. Que só quer sossegar os ossos e a mente. Que está encontrando a paz a cada dia, apesar de saber que estamos em guerra. Todo dia em guerra, contra um mundo cão que quer nos morder, não, nos devorar até não sobrar nem os ossos.
E o menino vai vivendo no automático e vai se deixando levar pelas coisas que a vida vai dando pra ele apesar de que ele busca coisas que acha serem as melhores agora que está no prime de sua vida. Ele caça como não caçava há anos e fuça e espera e conversa e não dá em nada como sempre mas ele parece ter mais esperança que sempre teve apesar de ser uma poliana desde quando se lembra de ser. Eu já falei das músicas? E o pior pra ele é que todas as músicas que tocam parecem ser mensagens em uma garrafa, ele abre e lê e sabe que é pra ele, mas não pode ficar aqui colocando tantas frases citações de todas essas pessoas que falam de si mesmo e dele ao mesmo tempo. Ele tem vontade de deixar vir à tona o dragão que habita suas entranhas e ele tinha colocado pra dormir por falta de utilidade. Agora ele acorda e solta seu fogo, ruge e esbraveja e nada, nem a escrita, nem a letargia dos momentos gastos em vão conseguem tirar de si as certezas.
E eu corro, e eu remo, remo até no barco tipo esquife e apesar de me achar meio patife me entendo e me perdôo, não perco mais vôo nenhum. Nem solto pum.
Já o menino faz tudo isso e faz pior, ele finge que é eu, e quando fala em primeira pessoa, não percebe que é inútil tentar. Já se está no limbo, é hora de voltar.
O menino pensa nos dragões, adormecidos ou acordados, sofre por antecipação por uns 5 minutos e depois entende que o futuro pode ser melhor, que o presente pode ser melhor, que é hora de voltar pra realidade. Que é hora de voltar pra casa e agarrar a vida com as unhas, lamber-lhes os peitos e descer pelo torso. E de joelhos, assim, dar graças a todos os santos e santas, anjos e demônios.
O menino chupa e cospe o sangue com veneno, as chagas se abrem pouco a pouco, uma a uma, numa explosão de vontades e de medos e de carícias. O nojo substitui o desejo, mas um novo desejo desabrocha, é hora de o menino acordar e dobrar mais uma esquina. Realmente, até que acabe, nunca é o fim.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

De lírios - Parte IV

(continuação da parte III)

Ela sente o frio se esvaindo e o calor vai dando lugar àquela gélida sensação. Porém, ela percebe que não está mais parada. Sente-se em movimento, e o calor vai aumentando. Pouco pode se ver dos arredores, algumas fontes de iluminação esparsas lutando contra a escuridão noturna, como vaga-lumes. Ela sente o calor aumentar e se percebe correndo. Ainda sem entender direito o que se passava, sente medo, um medo primitivo, primata, e ouve como um sino a ribombar em sua cabeça “Corra, corra!”. Ela conhece aquele caminho estranho sinuoso, sente suas pernas fatigadas a levarem para aquele lado, ora para o outro. Ela ouve e percebe que não está sozinha. Ela é a caça. Um, dois lobos a perseguem, rindo como hienas, famintos como leões. Ela decide que logo será alcançada. Procura um refúgio. Fazer-se de morta pode enganar os predadores. Ali, um muro baixo, com o mesmo impulso que trazia da corrida, apóia-se em uma das mãos e joga os pés para o alto. Porém, os pés não encontram o chão conhecido, e ela rola em si mesma, se esfolando toda. Arfando, busca levantar a cabeça, e na penumbra distingue onde se encontra. Trata-se de um jardim. Há alguns metros divisa uma casa, vê as luzes saindo da janela e pensa ouvir gargalhadas, copos. Talvez seja uma festa. Seu corpo vai esfriando enregelado pelo ar da noite, e ela sente dores por todo corpo, provavelmente presentes da queda. Estica a mão e toca em alguns arbustos baixos e ao trazer a mão ao rosto para secar a testa,e se apoiar pra sentar, sente o cheiro de lírios. Nesse instante, ela se sente erguida ao ar. Uma mão invisível, não, mãos invisíveis vão a tateando, a levantam e a afastam daquele momento de alívio. Os predadores a viram escapar, seguiram seus rastros. Ela havia falhado. Ela sente o cheiro de suor forte e masculino, e se vê imobilizada. Enxerga no escuro o brilho maligno dos olhos deles, seus sorrisos e escuta: “Aê, truta, nóis se demo bem!” Sente que não pode mover os braços, pois uma mão de aço as matem presas. Ela geme, se contorce, pensa em gritar, mas nem bem abre a boca e um grito começa a se formar, ela sente outra mão, quente e suja, áspera, contra sua boca. Sente o batom se espalhando por toda a face e o grito preso na garganta. Ela decide arrefecer e percebe que o inimigo já canta vitória certa. Sente mãos por todo seu corpo, perscrutadoras, invasivas. Ela sente e vê sua vontade reduzida a pó e fica a mercê daquelas mãos, daquele cheiro repulsivo, daquele peso contra seu corpo. Seu estomago se contrai e ela quer vomitar. Mas não consegue. Começa a sentir as lágrimas quentes escorrerem, salgando o já inseparável gosto de sangue e batom. Ela se vê invadida, humilhada, e fecha os olhos, para que não seja testemunha daquela atrocidade contra si mesma, e ao lembrar-se do cheiro dos lírios, vai se entregando a um frio, e sente que aquela repulsa vai dando lugar a uma grande paz. Ela já não sente mais medo. Mas ao abrir os olhos, ela não se sente confortável. Outra realidade, outro corpo, que ainda não é o dela. Estica as mãos e sente estar dentro de uma jaula...

(continua...)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

De lírios - Parte III

(... continuação da parte II)

Sentiu que havia um papel em sua mão direita. Estava amassado. Ela abriu e não sabia como ela conseguia entender todos aqueles tracejados. Via as palavras, mas elas não lhe faziam sentido: “doze anos de ótima atividade em nossa empresa.... desligada por motivos de força maior... compensação devida... referências para novas colocações....” Ao passar os olhos por essas palavras, ela foi sentindo um crescendo de raiva, de nojo, como se mãos se fechassem em sua garganta a impedindo de respirar. Uma ânsia de vômito.
Estou presa. E um desespero passou a invadi-la. Ela quis fugir dali, e a esse pensamento, um corpo que não era seu colocou-se de pé. Ela cambaleou alguns passos, enquanto se apoiava nas paredes frias, mas de um material que ela jamais tocara, aquela textura, não era pedra ou madeira que ela já tivesse visto. Mais um passo.
De novo o frio foi lhe enregelando. Sua respiração ficava mais rápida, seu peito, que não era seu, subia e descia rapidamente. Ela fechou os olhos e de novo se sentiu envolvida pela treva e não ouvia mais som ou sentia qualquer cheiro....

Alguém bate na porta incessantemente. Ela não responde. Mais batidas. Som irritante. Insistente. Contínuo. Mais e mais batidas barulhentas até que ela se rende e pronuncia um som misto de raiva, confusão e estranheza.
O rapaz entreabre a porta, adentra o quarto e deposita um enorme buquê de lírios que espalham seu perfume inconfundível pelo ar. Ela sorri. Automaticamente agradece e não sabe por que motivo não consegue tirar os olhos das flores. Observa, tenta decifrar porque elas lhe são tão agradáveis, tão familiares. Aspira o perfume mais de perto e encontra um pequeno envelope azul. Ela abre o envelope com mãos trêmulas. Um medo repentino toma conta do seu peito e ela desdobra o papel cuidadosamente. Seus olhos se enchem de lágrimas. Ela lê e relê o pedaço de papel incrédula. Sem forças, ela o deixa cair e olha para as flores como se elas pudessem mudar tudo.Como se aqueles lírios pudessem espalhar sua beleza e perfume em seu ser despedaçado.Como se eles pudessem colar os pedaços do quebra-cabeças e formar algo inteiro novamente.
Por não suportar mais a dor ela deita-se no chão e se encolhe. Recolhe-se, e sente toda miséria, todo sofrimento de sua alma, toda a sua impotência, todo o vazio que a ausência dele deixou. Dói demais e ela implora para que a ferida cicatrize, que tudo passe. Ela tenta saber onde está, quem ou o que sobrou de tudo. Ela não sabe quanto tempo se passou, mas o tempo não importa. Não há fome, nem sede.
Só a dor, o sofrimento, e o frio... Ah, o frio, cada vez pior, mais penetrante, mais presente, mais senhor de si. Ela tenta, mas não lhe é mais possível se mover. Ela já não quer, ou não sente, ou deseja mais nada. Ela apenas aguarda e sofre. E sente o que lhe foi sempre conhecido, familiar, de certo modo só seu, certo, presente, marcante: a solidão, o vazio... O azul, ah, o azul... Ela gostaria de se lembrar do azul, mas não lhe é mais permitido.
Seus pensamentos, estes sim estão livres, voam, sonham, vivem, realizam, erram, riem, persistem, sobrevivem, acreditam, como ela já não pode, como ela jamais poderá. Num tempo em que ela já não pode voltar.
Mais batidas. Mais barulho. E de repente um som que lhe é conhecido e parece aquecer tudo e fazer tudo brilhar... e num último esforço ela abre os ouvidos e os olhos . E ouve e vê. Mas não acredita...

(...continua)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Passion

Finding the balance
is the hardest
because one starts
burning like the sun
while the other is just heating some marshmallows
in a bonfire

terça-feira, 5 de outubro de 2010

De lírios - parte II

(continuação da parte 1...)

Nada se movimentava, nada acontecia. Por segundos sem fim, o mundo havia parado.
Ela já não sabia o que fazer, para onde ir, para onde olhar. Parece ouvir algo, mas não sabe ao certo se imagina, ou se realmente ouve. Parecem passos. Sem pressa, determinados...

Num gesto automático, ela se vira e fixa o olhar sem vida num ponto distante.O ponto se aproxima e vira sombra. Ela apenas observa. A sombra se transforma em vulto e ela sente frio. Junto ao vulto a neblina se torna densa, pesada, compacta... Quase sólida.

O vulto se aproxima. Ela treme. Estremece. E percebe que ironicamente a sensação de calafrio, de pavor, é melhor do que nada. Por instantes, a dor se vai. Dissipa-se.
Ela aperta os olhos, tenta enxergar em meio à neblina o vulto que se aproxima...

Mais e mais perto. Mais e mais frio. Tremores. Temores. E agora ela pode sentir o ar congelando à sua volta. O vulto movimenta-se ao redor dela como quem estuda o inimigo, reconhece o terreno de batalha. Ele dá voltas e mais voltas incessantes. Ela se sente tonta e num esforço superior às próprias forças, fixa o olhar no vulto. Não percebe formas, apenas um par de olhos azuis que faíscam em meio à bruma. Ela segue os olhos, agora curiosa, mas está cada vez mais frio, mais gélido, mais silencioso. Ela se sente fraca. Tenta continuar de pé, tenta fazer com que as palavras saiam, mas é impossível. Ela mergulha no azul. Azul profundo. Azul cruel.

Ela mergulha mais e mais no azul sem fim, e se esquece de tudo. O azul a envolve, a domina, e ela já não sente mais frio. Não vê mais nada.

“Dna. Selma? A senhora está bem? ” ela ouviu sons que pareciam vir em sua direção. Sua visão turva foi se clareando e ela pode divisar um rapaz, provavelmente nos seus dezessete anos, vestido de forma exótica, quase sem cabelos, se dirigindo a ela numa língua estranha. Tudo ao seu redor não fazia sentido. Onde era aquele lugar? Percebeu-se sentada e a sua frente podia ver uma caixa que projetava uma forte luz, como um espelho que, em vez de mostrá-la, exibia o retrato de um lírio branco. Nas mesas, muitos papiros, brancos como ela jamais havia visto. Sons vinham de todos os lados. Metálicos, como se ela estivesse em uma ferraria. A claridade do sol em uma janela distante contrastava com a claridade branca que a envolvia.

Será que ele havia sido capaz de fazer isso com ela? Ela se ouviu dizendo palavras que não conhecia, mas, que ao mesmo tempo, eram tão parte dela: “Estou bem, Alexandre. Vamos, volte ao trabalho.” Nada. Não podia sequer lembrar o lugar onde ela havia crescido e de onde jamais poderia ter saído. A maldição, ela se lembrou. Será que ele...? Não. Enquanto pensava essas coisas, sentia com as mãos o próprio corpo. Olhava para as pontas dos cabelos, que haviam perdido sua negritude quase azulada e adquirido uma tonalidade de amarelo-girassol.

(continua...)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

De lírios - Parte I

Com tenho estado meio "desinspirado", resolvi trazer à luz algo que foi feito e há muito está guardado. Trata-se de um longo conto escrito a quatro mãos com minha querida amiga S 4 Sunshine. O modo de fazer era simples, cada um escrevia um parágrafo e mandava para o outro, esse parágrafo era o mote de onde se deveria partir. Ele está todo pronto, mas preferi colocá-lo aqui aos poucos, pois dizem que o que é bom, deve ser vagarosamente saboreado. O título fui eu quem dei, a partir de elementos do próprio conto.

***

Ela se levantou sem pressa, sem querer, olhou à sua volta e se viu em meio há uma densa neblina. Esfregou os olhos como quem acredita estar acordando de um pesadelo, sentiu uma leve brisa gelada passar por seu rosto de marfim e estremeceu...
Incrédula, olhou à sua volta novamente, e se deu conta de que não era sonho, pesadelo, ou quem dera uma ilusão...
Sim, ele se fora, como havia dito um dia que iria. Sem prenúncios, sem despedidas, sem lágrimas. Era tempo de ser. Ela, ao perceber o inevitável, caiu de joelhos e contemplou o infinito vazio e gélido.
Ela abriu seu peito e gritou o mais alto possível, para que não morresse de dor. Mas nenhum som se ouviu. Caminhou lentamente até um campo de lírios e ali o observou longe, alto, decidido. Ela sabia; sempre soube. Desde o dia em que ele viera. Desde o minuto em que ele chegara.
O futuro seria como tinha sido escrito. Nada mais... nada menos.Nada importava agora.
Ele se fora. Era só. Um último olhar sem esperança, mais por hábito do que por razão, e ela vê ao longe, uma silhueta que lhe era conhecida. E é só. Nada há por vir. Nada que faça sentido. Se pudesse, ela derramaria lágrimas, sentiria desespero. Mas ela já não pode.
Então, ela apenas contempla o bater de asas, cada vez mais distante... cada vez mais silencioso. Cada vez mais cruel. Cada vez mais sombrio.....
E ele se afasta, primeiro em pensamento, depois a cada farfalhar de asas, ganha altura,
ganha confiança. Ela sabia. Ela sempre soube. Coragem, não olhe pra trás. Ele sente o
calor do sol chicoteando sua face, folhas ao vento buscando impedi-lo de continuar. Ele
passa a mão na testa para afastar a franja que lhe cai e sente o choro quente escorrendo
pelas bochechas. Mas por que ele chora? Era o que estava escrito. Há um silêncio, que se
transforma num grito. Num ímpeto ele decide olhar pra trás, mas esse ímpeto é varrido
pelo vento que já se faz cada vez mais veloz a cada bater de asas.
Ela vê que ele vira apenas um ponto distante, uma nova estrela, a primeira a despontar no
céu de ocaso. Ela continua lutando para que as lágrimas encontrem saída de seu peito, mas
ela não consegue, o aperto aumenta, a pressão, mas por mais que se esforce, seus olhos
continuam secos e vão perdendo a cor. Ela já se sentiu assim antes. Morta. Nem o doce
cheiro da grama, nem o céu vermelho do por do sol consegue arrancar dela algum sorriso.
Ou qualquer outra sensação. Seus lábios se movem, como se pedras tivessem sido atiradas
no espelho d'água que era seu semblante. Morta. Morta, ela repete silenciosamente.
Ouve um barulho, vindo de trás de si. Ali onde havia a árvore da sombra fresca. Ela prevê
que algo extraordinário está para acontecer. Ela se vira lentamente, experimentando mover
um músculo de cada vez...

(continua)