(... continuação da parte II)
Sentiu que havia um papel em sua mão direita. Estava amassado. Ela abriu e não sabia como ela conseguia entender todos aqueles tracejados. Via as palavras, mas elas não lhe faziam sentido: “doze anos de ótima atividade em nossa empresa.... desligada por motivos de força maior... compensação devida... referências para novas colocações....” Ao passar os olhos por essas palavras, ela foi sentindo um crescendo de raiva, de nojo, como se mãos se fechassem em sua garganta a impedindo de respirar. Uma ânsia de vômito.
Estou presa. E um desespero passou a invadi-la. Ela quis fugir dali, e a esse pensamento, um corpo que não era seu colocou-se de pé. Ela cambaleou alguns passos, enquanto se apoiava nas paredes frias, mas de um material que ela jamais tocara, aquela textura, não era pedra ou madeira que ela já tivesse visto. Mais um passo.
De novo o frio foi lhe enregelando. Sua respiração ficava mais rápida, seu peito, que não era seu, subia e descia rapidamente. Ela fechou os olhos e de novo se sentiu envolvida pela treva e não ouvia mais som ou sentia qualquer cheiro....
Alguém bate na porta incessantemente. Ela não responde. Mais batidas. Som irritante. Insistente. Contínuo. Mais e mais batidas barulhentas até que ela se rende e pronuncia um som misto de raiva, confusão e estranheza.
O rapaz entreabre a porta, adentra o quarto e deposita um enorme buquê de lírios que espalham seu perfume inconfundível pelo ar. Ela sorri. Automaticamente agradece e não sabe por que motivo não consegue tirar os olhos das flores. Observa, tenta decifrar porque elas lhe são tão agradáveis, tão familiares. Aspira o perfume mais de perto e encontra um pequeno envelope azul. Ela abre o envelope com mãos trêmulas. Um medo repentino toma conta do seu peito e ela desdobra o papel cuidadosamente. Seus olhos se enchem de lágrimas. Ela lê e relê o pedaço de papel incrédula. Sem forças, ela o deixa cair e olha para as flores como se elas pudessem mudar tudo.Como se aqueles lírios pudessem espalhar sua beleza e perfume em seu ser despedaçado.Como se eles pudessem colar os pedaços do quebra-cabeças e formar algo inteiro novamente.
Por não suportar mais a dor ela deita-se no chão e se encolhe. Recolhe-se, e sente toda miséria, todo sofrimento de sua alma, toda a sua impotência, todo o vazio que a ausência dele deixou. Dói demais e ela implora para que a ferida cicatrize, que tudo passe. Ela tenta saber onde está, quem ou o que sobrou de tudo. Ela não sabe quanto tempo se passou, mas o tempo não importa. Não há fome, nem sede.
Só a dor, o sofrimento, e o frio... Ah, o frio, cada vez pior, mais penetrante, mais presente, mais senhor de si. Ela tenta, mas não lhe é mais possível se mover. Ela já não quer, ou não sente, ou deseja mais nada. Ela apenas aguarda e sofre. E sente o que lhe foi sempre conhecido, familiar, de certo modo só seu, certo, presente, marcante: a solidão, o vazio... O azul, ah, o azul... Ela gostaria de se lembrar do azul, mas não lhe é mais permitido.
Seus pensamentos, estes sim estão livres, voam, sonham, vivem, realizam, erram, riem, persistem, sobrevivem, acreditam, como ela já não pode, como ela jamais poderá. Num tempo em que ela já não pode voltar.
Mais batidas. Mais barulho. E de repente um som que lhe é conhecido e parece aquecer tudo e fazer tudo brilhar... e num último esforço ela abre os ouvidos e os olhos . E ouve e vê. Mas não acredita...
(...continua)
Hey ton,
ResponderExcluirSabe que (re)lendo o texto agora eu gosto mais dele?É uma sensação diferente esta de ver ele publicado.É quase como olhar uma fotografia.Acho que fizemos um bom trabalho.bjs
Há, obviamente, muito para saber sobre isso. Eu acho que você fez alguns bons pontos de recursos também. Continue trabalhando trabalho, ótimo!
ResponderExcluir