domingo, 11 de maio de 2008

Domi(re e veja)ngo

Eu perambulo pelo centro. Sei qual é meu destino. O vento frio de maio castiga minha face. Vento cortante. Sob a proteção de duas blusas eu tremo. Depois de ter bebido doses de verdade e de poesia, eu ando pela Consolação sozinho agora, e tento não deixar que a luz amarelada dos postes penetre na minha alma. “Ai companhero, não teria uns 20 centavos pra me ajudar?” Eu me fecho como uma concha ao toque, como uma tartaruga que se recolhe ao casco. “Não não tenho!” e ora que havia acabado de mirar o abismo, acabado de perceber onde estava de fato, de maneira figurada. E não faço nada. Continuo caminhado paralelo aos montes de cobertores finos e embolados que deixam aparecer um pé desnudo sob o chão frio da calçada. Nenhum movimento. Haveria uma, duas pessoas? Quase um ano e eu quase nunca ando pelo centro à noite. E quando ando, sinto a poesia me dominando. Os porteiros que trabalham neste domingo noturno que preludia uma alvorada semana de labuta, fria madrugada se anuncia. Eles passam aos pares, rindo, por vezes, de toca ou cachecol, olhares atentos, fechados, tá-olhando-o-quemente. Cachorros de casaquinho (e os vinte centavos de bermuda, me recordo). Jovens, velhos, e logo o vinho e o piano invadem meus sentidos na esquina da Avanhadava com suas luzinhas, sua fonte ininterrupta no calor ou no frio. Parece a Europa. Passo pelos valetes que sorriem para os carros filmados e para os taxis. Olho para o restaurante de seis talheres e duas taças. Os cabelos brancos se empanturram. Velas tremulando sobre as mesas me lembram da vela que acabara de apagar lentamente sufocando a si mesma. Mais sorrisos, e o silencio da noite e do vento e dos pensamentos cortado por um grito de mulher: “Feliz dias das mães”. E eu longe de minha. Mais cobertores pelo chão, sob o viaduto, bem iluminado. Haveria duas, três pessoas ali amontoadas? Difícil dizer. A raiva me esquenta. Tiro as mãos dos bolsos e as deixo pendendo. As janelinhas dos prédios brilham em colorido de imagens que vão se alternando na velocidade da luz. Chego ao meu destino, mas a noite lá fora espreita.

5 comentários:

  1. Mister, sei que ando te devendo alguma coisa... não diga novamente "não se sinta pressionado", pois eu sei que estou sendo chato e parecendo desinteressado. O motivo não é esse, é que falta mesmo criatividade pra terminar.
    E obrigadíssimo pelo comentário no meu blogg heaheahea
    fiquei feliz dessa vez, não por você ter descrito o modo como gosto de escrever, mas por uma única e simples frase que algumas vezes é o meu único objetivo nesse blog:
    "Ri Bastante!"
    Sabe a citação do palhaço na mesa do bolo fazendo todo mundo rir?
    Eu amo ser ele!

    hugs, cya!

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  2. Dear friend,

    Thanks for reading my posts, they are indeed a symbolic attempt to epistomise my gloomy reality. Indeed. As far as yours is concerned, it is so "Baudelarian", althogh I still feel a sort of moral judgement. Don't get me wrong, your portrayal of São Paulo is pretty accurate and precise. Lovely how you describe the centre, my favourite place in the world. But, I still feel moral and to a be a true flaneur you should let the judgemental tone vanish.
    Anyways, I'm just putting on airs, not a speciaist in Baudelaire, but soon enough, an specialist in cities and poetry. A question for you: isn't there poetry in fear and anger? In imperfections and lack of solidarity?

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  3. Oi Elton! seu blog está devidamente linkado no meu.

    Eu gosto de blogs assim, com textos diversos, que exprimem pensamentos, poemas, divagações =)

    O meu tem uma linha mais jornalística, e espero qe tenha gostado também. Mais pra frente pretendo postar em inglês, mas vou esperar a semaninha de férias na facul para fazer isso.

    Só não vale comentar os erros ahahah mande secretamente por email =D

    Bjão e até sábado!

    Ps: não sabia que vc falava francês.

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  4. e um perfeito retrato da noite paulistana, com suas singularidades. É bem verdade que os detalhes citados são correntes em diversas cidades, mas em São Paulo, tudo vira poesia!

    E um ótimo trabalho, que, de certa maneira, pode ser relacionado ao meu tolo poema!

    Abraços mister...
    cuide-se

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  5. Quando cheguei em São Paulo algum tempo atrás, eu costumava perambular por estas mesmas ruas e ter sentimentos parecidos com os seus. É claro que eu não tinha e não tenho seu talento para transmitir e provocar lembranças e sentimentos.
    eu só posso apreciar e elogiar.Parabéns.

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