O doce som de um sax e do piano a voz negra vai invadindo os sentidos. O cheiro de álcool e o barulho da bebida caindo no copo, de outros copos batendo na mesa, de risadas abafadas, de sussurros lascivos, secretos. A porta range ao ser aberta e estala ao ser fechada. No canto uma pequena caixa cospe apenas imagens sem som, mas o silêncio foge por entre os dedos.
É quase uma da manhã. A melancolia vai ao encontro dos que não se deixaram levar pelo sono. Outro dia se foi, o novo ainda engatinha. Temeroso. E o homem sente o peso da morte e das horas.
Riscos no balcão viram mensagens criptografadas, a dança das facas, sinais do tempo corroendo tudo, corrompendo. O que tira seu olhar do balcão, elevando-o, é o fio de bebida que escorre da biqueira até o distante copo. O fio parece lembrar-lhe de sua vida como um rio, derretendo o gelo, mas tornando-se frio.
Seu copo está vazio. Mas falta-lhe energia de pedir mais uma dose. Ele olha para o copo vazio e percebe que não há nada nesse lado do universo que se pareça mais com ele do que esse copo. Sua vacuidade lhe dá conforto, segurança. Porém, como um fantasma, o vazio demonstra o que antes havia ali, quando fora preenchido, completo. Um golpe de ar entra pelo vão e faz com ele trema dos pés à cabeça. Ele quer escrever, ele quer criar, quer explodir e expandir. Mas ele está tão cansado. Ele é só um copo.
O som da jukebox já não consegue mais animá-lo. Os sussurros vão morrendo tal qual a noite. Ele põe a mão no bolso. No fundo, junto com umas moedas, ele sente a própria pele por debaixo do tecido. E um sorriso incômodo brota na sua boca. Tenta se desfazer dele, mas o sorriso insiste. Seu rosto se desfigura numa careta. Ele sente seu escroto, com a ponta do indicador e percebe que ali, no poço de sua masculinidade, de sua virilidade, ele sente a frieza do copo. Ele está estéril. As ondas de desejo que antes o dominavam, que faziam a vida pulsar através dele, se foram. Ele retira sua caneta do bolso direito da camisa e estende a mão, sem levantar os olhos, ainda num diálogo tácito com o copo vazio e alcança um guardanapo. Ele se lembra das milhares de vezes que fizera poemas em guardanapos. Mas agora, os traços não formam letras, nem desenhos, só um borrão. Nada há para expressar. E vencendo a si mesmo, coloca abaixo a caneta, depondo as armas, e se rende.
Porém, antes que ele possa realizar sua retirada estratégica, sabendo que é hora de partir pelo cheiro forte de café, o café dos bêbados, o café dos que despertam para um novo dia, ele ouve um zumbido ao pé do ouvido. Desleixadamente, ele bate no ar em busca do inseto cujo ruído havia interrompido seus pensamentos e seu torpor de derrota. Nada. O zumbido continuava. Ele até virava palavras. Quem poderia estar lhe cochichando a essa hora da manhã? Ele olha ao redor, movendo a cabeça mais rápido que imaginava concebível sob influência de tal quantidade de álcool. Mas nada há ali, nem gente nem mosquito. As palavras-zumbidos viram rimas e cadências, seria o canto das sereias? Ele fecha os olhos e ouve, sente seu coração pulsar mais rápido. São idéias, rodopiando pelo ar, ao seu redor, um carrossel supersônico. Dele. Uma lágrima embaça-lhe a vista e dá-lhe as boas novas: ele está vivo.
Hey kid,
ResponderExcluirBelo texto.A gente meio que é transportado pro lugar e de algum modo observa o personagem e o desenrolar da história como se fosse parte dela.Curioso...
Será que é porque eu adoro Dry Martini??
Um brinde á vida.Tim,Tim!!!! hahaha
bjs :)