O menino se olha no espelho e morde o lábio inferior. Ele está confuso novamente. Ele tenta pensar no que aconteceu nesse último mês e começa a viajar nas ondas do passado quase presente. Foi como se fosse ontem, mas ele tinha apenas 13 anos. Bom, ele estava longe de ter apenas treze, mas a sensação era essa. Tenho 13 pra sempre? Ele desviou o olhar e maneou a cabeça. Não, é só uma ilusão preciosa. Uma deliciosa jornada a antigos sentimentos e traumas já cicatrizados. O menino tinha perdido a noção do quão suculento uma paixão poderia ser. A mão suando, a voz, as palavras de carinho, como grossas gotas de chuva num deserto, na aridez de sentimentos onde ele havia feito sua morada nos últimos tempos. As gotas grossas caindo e ele se deitou na areia quente, sentindo todo seu corpo ser fustigado e presenteado com gotas que o confortavam a tal ponto que ele decidiu se despir e deixar sua pele sentir aquela mistura de areia, vento e água num ploc ploc ploc. Uma caiu bem nos seus lábios e ele passou a língua por ela, sentindo um prazer estranho porque constatou que se tratava de uma água salgada. Ele ria da improbabilidade de chover salgado, mas não se incomodou com aquilo. Sendo ele quem era, o menino não tinha do que reclamar. Ele já havia visto coisas muito mais admiráveis. Assim, o menino se pos alerta. Logo a chuva ia passar e o deserto iria desabrochar em brotos por todos os lados. Afinal, aquele era um deserto, mas a terra era fértil, quase vermelha, sangue e areia, terra estranha onde nem se precisa plantar para se obter em abundância.
O menino volta para casa e toma nos braços o bebê que havia ali. O bebê não chorava, mas dormia o sono dos justos e sonhava e o menino se lembrou como ele havia feito o bebê. Era uma espécie de gravidez forçada, talvez fruto de algum estupro do destino. Ele não se lembrava na verdade, mas passava dias e dias procurando a origem daquele ser pequeno e dependente. Ele o embalava e cantava músicas que nem sabia que ainda sabia. Letras esquecidas que devem ter sido passadas de pai para filho há gerações. Que ficaram marcadas em seu subconsciente. O bebê sorri para o menino, e por um segundo, ele não sabe dizer bem se o sorriso é de escárnio ou de felicitações. Um menino e um bebê perdendo a noção de ironia, de realidade. Será toda essa cena uma brincadeira? O bebê está quente, seria febre? Mas ele continua dormindo placidamente, ignorante do mundo louco onde ele está e do destino que o espera. Sonhando e sorrindo.
O menino decide despertá-lo. Ele sacode de leve e o bebê acorda num sobressalto. está na hora de tomar banho, meu amor. Ele vai despindo o bebê e vai se lembrando de como havia sido gostoso esta nu no deserto sendo fustigado por apetitosas gotas grossas de chuva. Será que o bebê iria gostar, ou as gotas deixaram marcas roxas em sua pele delicada e sensível? Era um bebê esperto, que sabia das coisas do mundo e ele olhava agora curioso para o menino, que se envergonhava um pouco daquele olhar tão franco, penetrante e insolente. Ele já havia passado por tanta coisa e o bebê era um ser que do mundo sabia tão pouco. Mas ele era sua única companhia naquele deserto, naquele ermo. Por que ele tentava ajudar o menino? por que ele tentava amar o menino e mudá-lo? Como ele era tão forte se sua carne deveria ser mole e sensível? Por que esse bebê não chorava? Talvez tivesse sido ele que havia chorado as gotas da chuva, mas não havia gritos nem fome. Conseguiria um bebê chorar apenas lágrimas em silêncio? Com uma das mãos o menino manteve o bebê firme e com a outra em forma de concha ele foi pegando a água e molhando os cabelos do bebê que talvez abundassem mais que os seus. Jogou água no rosto, nos ombros, e em todas as partes que não estavam submersas. E ele fechou os olhos por um instante e rezou. Rezou para que ele tivesse discernimento e não jogasse fora o bebê com a água do banho.
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