quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Reconstituição do Crime

Do algoz

Sente o coração acelerado,e mais e mais.
Cada batida do tambor retesa toda fibra
do seu ser em festa, uma a uma.
O álcool inebria os sentidos, tudo parece mais
vivo.
As cores ganham novos matizes, as formas se derretem
no ar?
Os pés em movimentos velozes, tentam acompanhar o ritmo
da música que vem de todos os lados.
Gritos e risadas, é festa. É carnaval.
Sempre é, quando há diversão, libertas que será também.
As mãos voam para o céu, apontam para aquele, ou aquela?
Elas se esfregam com sofreguidão, são cavalos selvagens,
Cotovias no cio.
A felicidade o/a preenche, e escorre por todos os poros.
Se sente grande, enorme, completo.
O suor escorre da nuca pela sua espinha, provocando
cócegas não planejadas. Sua como se fosse todo água,
não apenas os 70%. Mãos molhadas, suor da cerveja, gotas de malte.
Olhos perdidos no show, sorriso aberto.
As mãos doidinhas se enlaçam no tecido da roupa, precariamente se secando.
Se e quando, ele/a percebeu, já era tarde demais.
Feito bombeiro descendo no mastro, escorregando, pouco a pouco
A umidade brincando de lubrificante, a gravidade, essa danada!
E num movimento, o choque.
As mãos nuas. Euforia interrompida.
Vão-se os anéis. Ficam os dedos.

Da vítima

Me lembro quando era apenas mais um entre muitos.
Não tinha nada de especial, nenhuma pedra, nada.
Muitos vinham me ver, mas eu continuava ali, no único lugar
que conhecia.
Estático. Temendo o desconhecido ali fora, mas com desejo
de ser expedicionário.
Dias, noites.
Sinto uma mão, me apalpando com cuidado e quando vejo,
liberdade.
Socorro! Mas é tão bom. Cores, luzes, cheiros, tudo. Sou carregado,
direita esqueda sobe e desce.
Mas que mundo grande, meu deus!
Tento me comunicar, em vão. Sou assim mudo.
E enlaçado, sigo.
Um dia, é festa. Eu sinto orgulho. Me sinto passivamente feliz,
um pouco parasita do regozijo alheio.
Sou símbolo. Sei disso. Sou acessório, embelezo, complemento.
Estou igualmente inebriado. São tantos movimentos e sensações.
Sou parte e de repente
O abismo.
Sempre tive medo do abismo. E quando me vejo novamente.
Estou sozinho.
O fundo do poço é assim? Cheio de confete e serpentina?
As latas vazias e pisadas, garrafas plásticas, eu imaginava.
É tão frio aqui. Tão aterrador.
A festa não faz mais sentido. Como pude ser tão negligenciado assim?
Perdido. Na vida.
Vão-se os anéis, ficam... quem ficam? Os dedos?
Antes só do que mal acompanhado.

Do cúmplice (ou herói?)

A festa corre feito um rio, com corredeiras e calmaria.
Tudo é novo, ainda que mais do mesmo.
Alegria sincera, deveras incompleta, sine qua non.
Uma amizade, compartilho risadas. Estou bem.
Seu colar de contas se parte, explode alegria!
Seu anel perde a pedra verde, dizem que verde é esperança.
Onde está a pedra verde?
Cansado, horas de pulos e gingado. Como cobra, serpenteando na pista.
A amiga pegando o trem e outro, viajando pelo salão, ela exulta.
Olhos no palco, no povo, no chão.
Onde está a maldita pedra verde?
Onde está o que eu não vejo aqui?
Falta algo.
Escuto um grito.
Não, escuto um brilho.
Vejo ao meu lado, no chão, um anel.
Ele está solitário. Como eu (não estava, nem deveria estar
mas o cansaço, por alguns segundos, uma nuvem cobre meu sol).
Naquele mesmo segundo, nossas almas se tocam.
Ou a minha reflete na sua superfície metalizada.
Lacan e seus espelhos.
Um impulso, me controlo.
É meu? Não.
Melhor deixar a vida como ela está. Pra que mudar?
Me subverto. Abaixo e pego. Ele se aninha na palma da minha mão.
Uma aliança?
Mas ele não alia mais nada. Ele está fora de contexto. Ele é apenas um anel.
Como agulha no palheiro, achei pelo em ovo.
Mas o que fazer?
Mais fácil deixar ele escorrer como areia por entre meus dedos. e que outra pessoa o ache
e seja assombrado pelo seu passado, seja responsável pelo seu presente.
Droga! Estou colocando ele no meu dedo?
Ele vira minha aliança comigo mesmo. Falamos a mesma língua e não estamos mais solitários.
Sozinhos não.
Vão-se os anéis. Ou vem. Tanto faz os dedos.
Seu futuro?
A Deus pertence. Mais vale mais um pássaro na mão, que dois no chão.

2 comentários:

  1. Cada dia mais complexo com tuas metáforas pulando, correndo pelo salão.
    Tentei ir atrás pro texto me levar porque na frente ou do lado, ah, muita estrada tenho que percorrer.
    As vezes me pergunto se é preciso algum estado de consciência alargado para escrever três textos como estes. Ou, ao ler, senti que podias declamar tudo isso e eu iria gostar de assistir. Ou também ao ler, deu vontade de pegar os textos e jogá-los para um palco!! Ah que belo seria isso. Sentaria na primeira fila hehe
    O que escrevi tem um tom de brincadeira sim. Penso que ela me ajuda a colocar algumas coisas que sinto ao ler, em palavras.
    Elton querido, tu és um em vários como no texto. És essa pessoa especial, competente e provocadora quando escreves e com isso me desacomodas porque quero te entender, entrar no texto para chegar perto dos teus pensamentos tão complexos, tão capazes de fazer tu te movimentares em várias direções e profundidade dando um rodopio nos meus pensamentos, um chacoalhar !!
    Isso é o importante porque ler por ler é o nada.
    Tu sempre me acrescentas.
    Muito bom tudo isso meu amigo querido !!
    beijo da Elena Muller

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  2. Hey sunshine,
    Adorei o texto, mas no seu caso, ficaram os anéis e os dedos:)
    Acho que vou te chamar de Lord of the rings doravante,kkkkk
    bjs

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