domingo, 10 de janeiro de 2010

Alguns modos avulsos de assassinar a poesia

Não é de praxe que eu colque aqui coisas que não fui eu que produzi. Exceto uns poemas que ganhei de presente, o que leio e gosto fica guardado em algum lugar. Mas esse pareceu impossível de não compartilhar. Um dia eu chego lá. Falando nisso, o nome do autor estava errado onde peguei esse poema. Parece, pesquisando aqui, que ele faz parte de umlivro interessante chamado Trapo. Vale dar uma olhada.


ALGUNS MODOS AVULSOS DE ASSASSINAR A POESIA

Amarra-se a poesia contra um muro
Cheio de urubus
Ela recusará a venda
Nem na hora da morte perderá a dignidade
Dipõem-se os poetas lado a lado
Em números de sete
E fuzis de ordem unida serão distribuios
Um deles com pólvora seca
(Sera salva a consciência)

Mira-se o coração
Suave sob o peito
Um mais fanático
Preferirá entre os olhos
Mas o braço tremerá

Algum presidente de associação gritará: Fogo!
Os poetas, homens praticos, homens do seu tempo
Homens que fazem o que deve ser feito
Homens que não estão aí para papo furado
Os poetas apertam o gatilho
Pá!


Desde pequeno conheci a poesia
Uma balzaquiana elegante, sorridente, lúcida e vaga
Com um anel no dedo
Meus Deus que coisa linda!
Secretamente lhe mandei bilhetes
Pedi em casamento
Marquei encontros
Reticente, me afagou os cabelos, me deu um beijo na testa
(Era na boca que eu queria, um beijo de língua feroz)
Joguei futebol, tirei nove em português
Oito vezes cinco, quarenta
Fiquei velho, mudei o mundo, instaurei o comunismo
Enchi os cornos de pinga
Entrei para o banco do Brasil
E ela veio de novo, madrugadinha
Que mãos pálidas, que transparencia, que sutileza
Falava francês a degraçada
Sentamos num bar
Verde que te quero verde
Não serei um poeta de um mundo caduco
Mas que seja infinito enquanto dure
Senhor Deus dos desgraçados
As armas e os barões assinalados
Ah, que saudade que eu tenho
Ora direis, pulicéia desvairada, rua torta, rua morta
E ela ali deusinha vagabunda e arrogante
Vou-me embora pra Pasárgada
Fui-lhe metendo a mão nos peitos
Erguendo a saia de seda
Vou estuprar a poesia
Que alegria!
Eis que ela me foge, bateram as doze horas
Fiquei com o papel em branco

Mulher difícil a poesia
E u de calça Lee, ela musa grega
Vênus De Milo, romântica desvairada
Solteirona neurótica, cheia de pasta na cara
Quem ama não esquece
Vinha em sonhos, traiçoeira, brincava de 31
Fazia-se maçã do Eden, funcionária pública
Manequim de propaganda
Sou Jack Estripador, lhe arranco a meia da coxa
Lhe enforco sobre o colchão
Lhe encho a cara de porrada


Num banco de praça vou lhe catando sutil
Sou um gênio da gramática
Ataco de conjunção, prepósito, verborreio, substantivo
Com arte
Vou de régua e quarteto
Rimo paixão e turbilhão
(Vem cá gatinha...)
Ergo os braços com ênfase
(Me beija a boca doçura)
Soneteio, eclogeio, epopeio
Ela me abraça, quentinha
Mas eis que passa um velho e lhe leva
Maldito Carlos Drummont de Andrade


Não quero mais
Quero te ver seca, morta, arreganhada e sorridente
Como a carcaça de um boi
Não me provoques
Não me venhas de soneto
Não invente novidades
Não redescubra Mallarme,sequer Homero
Meta no rabo teus computadores e teu seiscentimo
Quero te ver desdentada e em pânico
Ave nua e morta

Ao diabo tua retórica!
Vou ser grosso que nem um bicho
O que eu quero é comer a sua filha gostosa
Que logo vem me atenta

CRISTOVÃO TEZZA

Um comentário:

  1. Obrigada pelo toque, o autor é mesmo Cristovão Tezza, e não Cristovão Trazzo,empolgada ao achar o texto que eu procurava há anos copiei e colei sem atentar para o nome do autor, deve ter me parecido familiar justamente por ser Trazzo, mistura de Trapo com Tezza...Li o livro há nos, realmente vale a pena.

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