domingo, 25 de setembro de 2011

Carta à dona Marlene


Prezada Senhora,

Esse que nem vos conhece decidiu, com humildade, mas coragem, escrever uma cartinha pra agradecer o que me foi possibilitado pela senhora.

(Posso vos tratar por você? Eu sou assim, já vou logo tuteando a pessoa, mudo do formal pro informal... vai vendo só).

Há alguns meses, apareceu um anjo na minha vida. Desses assim, coisa de filme. Ah se a senho... você soubesse como a minha vida virou de cabeça pra baixo e de perna pro ar, de um jeito que só quem tá precisando virar na areia pra queimar do outro lado sabe. Enfim, esse anjo caiu assim, meio que por convite, meio que por acidente, e foi ficando e foi ficando e ficou mais do que deveria e me fez desistir de viajar e foi angelizando tudo em volta.

Daí, eu não acreditei de cara nessa coisa de anjo porque ele não parecia o Nicholas Cage, mas ele falava várias línguas e cantava, dizia coisas em russo e em lituano, até em uma língua dele, que eu suspeito ser uma variação do aramaico, porém não sei direito e isso nem importa.

Ele me disse muitas coisas e ele falou em línguas que eu não falava faz um tempão. Ele despertou o dragão, me falou da serpente e riu da cara da Eva. Ele riu de mim e pra mim e se propôs a chorar também. Ele quase me fez chorar de emoção e me fez rir como se a gente estivesse na capital da Moldávia. Ele me levantou nos braços e não me deixou cair.

Só que um dia ele sumiu. Não voltou no dia seguinte, nem no outro, nem no outro. E sumido assim, a vida seguiu mais cinza, foi andando devagar, meio com gosto de ressaca e cabo de guarda-chuva na garganta. Eu sofri, eu já havia me acostumado ao cheiro dele, ao jeito meio moleque de andar, de falar, igual quiança, sabe? Eu me maravilhava com os olhos dele brilhando quando eu apresentava alguma coisa desse mundo dos mortais que ele não conhecia. Ele conseguia abrir meu sorriso como um leque, e eu brilhava como uma fogueira, explodindo faísca pra todo lado, bota lenha, bota.

Daí, ele voltou. Quando eu já tinha voltado a ver minha vida sem ele. Ele voltou como fênix e eu já estava pronto a abraçar o luto, daquela morte de mentirinha, mas tão inevitável como qualquer outra morte. Ele voltou, mas era ele e era outro. Pelo menos na minha cabeça.

E de repente, ele se colou em mim, ele era uma parte do meu corpo. Ele invadia meus pensamentos, a qualquer hora, em qualquer situação. Ele me pegava na mão e me mordia os lábios, achando que eram de maria-mole. E meu rosto era cocada, arranhava e queimado. Minha cintura virava um brinquedo, uma aventura, um regaço convidativo ao descanso, e um prenúncio a luxúria.

E a gente foi se fazendo feliz, enquanto ia se fazendo humano. A gente aprendia a dançar rápido ou devagar e eu aprendi a não ter medo. A gente falou de casamento, mesmo que de mentirinha, e até discutimos os detalhes. A gente fantasiou junto e se arriscou junto e se salvou aqui ou ali. Ele me deu a leveza dos querubins e eu dei a ele um senso de que as regras têm que ser seguidas, e que os rótulos são só besteiras.

A gente ficava horas juntos, e de repente, em pouco tempo, a gente já tava ali com saudades. Ficamos presos nesse jogo de aproximar-se e afastar-se, sentindo uma força misteriosa e tão antiga quanto o universo, querendo nos explodir de dentro pra fora, igual uma pipoca.

Bom, como diria a sua xará, a Dietrich, a gente teve “such trying times”, mas a gente encontrou formas e reformas de se encontrar e sintonizar a mesma frequência. E a gente se marcou, tal qual gado, ferro em brasa na pele, mas deixando uma imagem não que nos desfigura, mas daquelas que nos melhora. Uma marca que a gente se orgulha e mostra como uma tatuagem, uma joia.

Neste ponto, você deve estar se perguntando o que tem a ver com essa história toda. Confusa com anjos e pecados, tais coisas que fogem do seu repertório. Bom, o negócio é que ele me disse que foi feito por você. Fiquei imaginando que feitiços e poções e orações e mandingas foram necessárias. O quanto da alegria de vida dele, da leveza foram obras do seu sopro divino, da sua paciência incansável, da sua forma de lidar com o mundo. Por isso, não pude deixar de escreve-lhe essas palavras singelas, cheias de amor, elogiando e agradecendo por ter me podido dar, mesmo a despeito de si e inconsciente de o fazer, aquilo que eu nem sabia que era exatamente tudo o que eu precisava pra ser um novo eu.

Atenciosamente,

Elton

5 comentários:

  1. Morning !!
    Fico imaginando...será que ele esperava por esta? E a dona Marlene? Tá muito lindo, mas muito muito cheio de amor.Que mágico.E sabe o mais legal? Voce merece tudo isso e muito mais, mas isso voce já sabe, não é?bjs

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  2. Minha nossa senhora!!! Juro, me emocionei! Fui e voltei, vi, senti, vivi e revivi. Que mistura, quantas sensações e que magia incrível, contagiante e encantadora. Meus mais sinceros e orgulhos PARABÉNS! Você conseguiu o que poucos conseguem, realmente colocar sentimentos de forma a aguçar os nossos tb. Vou copiar pois é sensacional! Muitas felicidades pra vcs. Beijo grande. Mônica

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  3. Elton,
    Tu te colocas e me coloca num palco de experiência. As linhas postas compõem performances. Tu és performático! Nos teus escritos interpretas e acentuas a expressividade de quem quer sempre ser o melhor no que estás fazendo. Isso é fato. Obrigada por me convidar a ler um-este acontecimento!! Palmas !! ♥
    Elena Muller

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  4. Oh God! Parece que essa historia saiu de dentro de mim. Me emocionei agora.

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