domingo, 23 de dezembro de 2012

Jornada para Utopia: Dia 10 (versão de LVA)

Então eu desci e estava na estação de ônibus. Meu celular estava finalmente funcionando de novo. Eu estava de volta aos EUA, então podia ligar para o Brasil, podia usar de novo minha internet móvel. A primeira coisa, procurar locadora de automóvel em Boston. E procurei por uma na estação, não tinha nenhum. Eu vi que eu tinha que pegar o metrô e eu estaria a umas 5 estações de lá. Nada difícil comprar passagens das máquinas. Meia hora (era horário de pico) e eu já cheguei lá. Não sabia que em agências de aluguel de carro você sempre deve ter uma reserva, conseguir um sem reserva é questão de sorte. Imaginei que a pessoa apenas tinha que chegar lá e eles teriam carros disponíveis. Havia um carro grande, mas eu não queria começar a dirigir nos EUA em um carro grande. Um médio pra pequeno seria bem melhor pra mim. Eu tinha que esperar um tempo, mas eu tava bem adiantado, mesmo se eu dirigisse lentamente, podia esperar. Apareceu um carro. Dei para ela meus documentos. Eu achei que teria problemas por ter a carteira de motorista brasileira. Não, estava tudo bem. E então o problema. Eu tinha 3 cartões de crédito comigo, o brasileiro, o americano e o de dinheiro para viagem. O único que tinha limite ou fundos suficientes para a transação era o de dinheiro de viagem. Eu lhe dei esse e ela disse: “seu nome não está impresso no cartão”. Eu disse: “eu posso te mostrar o site e meu extrato”. Não. “Posso pagar com dinheiro?” Não. "Tem algum Wells Fargo aqui perto?" Eu faria uma transferência para minha conta americana. Com taxas e tudo, mas tudo bem. Só havia uma caixa eletrônica, há 80 quilômetros dali. Eu desisti. Vamos procurar alternativas. Tem um ônibus pra lá. Ele parte da... estação que eu estava.

Então eu voltei, mais meia hora e eu estava lá. De volta ao ponto zero. Pergunto lá e cá e tinha um ônibus saindo em meia hora. Então eu podia comer alguma coisa e enquanto eu estava comendo e lendo os folhetos da companhia de ônibus, o ônibus chegou. Eu estava tão feliz. Eu ainda chegaria a tempo. Subi e calculei que eu poderia chegar lá às 1h10 da tarde, apenas dez minutos atrasado. De qualquer forma, eu tinha que avisar a Marge que eu não estava de carro e iria me atrasar um pouco, calculando também o tempo de andar ou pegar um táxi do centro de Wellfleet até a casa dela. Como tinha pouquíssimos táxis em Gainesville, eu pensei que seria a mesma coisa em Wellfleet.

Mandei um e-mail para Marge dizendo a ela que eu talvez me atrasasse. Ela me perguntou porque e eu disse a ela que eu tive problemas para alugar o caro então, em vez de ir dirigindo, eu estava indo de ônibus. Ela disse que me pegaria na cidade então e ela me perguntou se eu já tinha almoçado e eu disse a ela que eu não estava com muita fome. Ela disse que o último ônibus voltando para Boston sairia às 2h00, então eu teria que conseguir fazer a entrevista com ela em 40 minutos, chegar lá e partir. E ela me encontraria no restaurante que tinha em frente ao ponto de ônibus. Fiquei tão frustrado. Eu vim de tão longe e estava tão animado com essa chance. 40 minutos?! Não me parecia justo.

Descia do ônibus onde ela me disse que eu deveria. Eu tinha que ligar pra ela para avisar que estava chegando lá. Quando desci uma garoa fina estava caindo. Havia também um pouco de vento, mas eu estava com a minha jaqueta, então tudo bem. Eu esperei 5 minutos mais ou menos e ela chegou, dirigindo seu Volvo preto.

Eu não sei que tipo de noções românticas eu tinha daquele  primeiro momento, mas eu apenas estendi minha mão e nos apresentamos oficialmente. Ela me mostrou o restaurante e nós entramos. Eu ainda não conseguia engolir o fato de eu ter que ir embora tão rapidamente. Vimos o cardápio e ela me recomendou a salada de peixe-espada. Eu não estava com fome, mas seria falta de educação e estupidez não comer. Ela ficou surpresa quando lhe disse que eu normalmente não tomo café (“Do Brasil e você não toma café?!”). Antes da comida chegar, eu abri meu computador e preparei o celular para gravar a entrevista. Ela disse que o plano era me levar pra casa dela e cozinhar algo, mas eu tinha apenas menos de uma hora... ela suspirou que esse não era um restaurante bom e que se eu tivesse mais tempo ela me levaria para o The Bookstore, um restaurante bem melhor.

Foi nesse momento que eu tomei uma decisão. "Eu não vim de tão longe para morrer na praia, mesmo que eu tenha que cometer um crime e dormir uma noite na cadeia, eu farei isso" "Não tem  cadeia aqui", ela respondeu. “Bom, está fora de temporada, eu vou pensar em um jeito.” E de fato, ela achou um jeito pra mim. Ela ligou para uma amiga, a Martha, que conseguiu me alojar em um pequeno e aconchegante chalé. Então, agora nós tínhamos muito tempo. E ela continuou me lembrando que ela se ela soubesse que teríamos mais tempo... ela não gostava mesmo daquele restaurante.

Perguntei para a Marge as questões que eu tinha em mente e no meu roteiro. Achei que foi uma entrevista maravilhosa. (Foi só depois de algumas semanas, quando eu estava a transcrevendo que percebi o quanto  ainda preciso aprender para fazer entrevistas. Sem perguntas com tanta coesão quando deveria, sem começo, meio e fim. Uma bagunça total. Ela foi gentil ao me pedir para reformular uma questão, e de novo, quando elas eram muito confusas ou desconcertantes).

Piercy tinha certeza em fazer a entrevista como uma conversa: ela estava sempre me perguntando alguma coisa e nós começamos a falar sobre o lugar que estávamos. Era minha primeira vez em Cape Cod e ela me deu uma perspectiva muito informativa. Ela concluiu dizendo que...

“Este é uma região costeira, você acha muitos lugares onde as pessoas vão para o mar, as pessoas têm uma grande tolerância porque os homens iam, para caçar baleias por um ano ou dois meses seguidos, as mulheres eram deixadas pra trás. Os homens ficavam apenas com os homens, também havia capitães negros, fora de Provincetown a escravidão ainda era legalizada. As embarcações de caça às baleias tinham uma tripulação sempre racialmente misturadas, assim como em Moby Dick. Alguns dos melhores arpoadores junto com os caiçaras, havia muita tolerância aqui desde o começo, com relação a diferentes estilos de vida e assim por diante. E então minhas perguntas começaram.

Depois do almoço, quando a entrevista tinha terminado, ainda tínhamos um tempo, eu só iria para o chalé depois das 4h00 e ela me levou pra conhecer as praias e a baía. Conversamos sobre o que estavam fazendo para a região e sobre a natureza em geral.


Como vocês podem ver, o dia não estava muito propício para nadar ou pra ficar andando na praia, então tínhamos que ficar no carro. Duas coisas nos impressionaram um pouco. A primeira foi quando estávamos dirigindo dentro do vilarejo. As ruas eram estreitas e tortuosas e quando estávamos dobrando uma esquina um caminhão gigante estava vindo na direção oposta. Estava invadindo parcialmente a nossa faixa da rua e não tinha lugar para escapar. A Marge congelou e o carro parou. Vi minha vida passar em segundos e o motorista do caminhão voltou para a outra faixa alguns segundos antes de bater. Respiramos fundo e continuamos. Logo vou contar a segunda coisa.




Teve um momento que me senti como um imbecil (havia mais desses do que eu pensei possível) quando estávamos na baia. Ela apontou para uma das casas e disse “O Howard Djinn morava aqui. Você o conhece?” Eu provavelmente respondi com minha cara de interrogação e ela estava espantada. “Você não conhece o famoso historiador? Escreveu História do Povo dos Estados Unidos?” Então eu percebi que ela estava falando de Howard Zinn, o famoso historiador, que tinha recentemente falecido. Eu já tinha lido alguns capítulos escritos por ele, mas se eu dissesse isso tenho certeza que iria soar como se eu tivesse tentando consertar a má impressão.


We still had some time, so she took me to her house and I would get to know her cats. First, we went around to see more of the region and we got a road which was a dead-end. When we got to the deadend, Marge had to make a u-turn and go back the same way. The road was narrow and she went outside it to the right and started turning. The thing is there was not enough space and to the left there was an escarpment. She was going toward it and I got tense but she realized we were not going to make it (it was deceiving, I would probably have done the same if I was driving). The car came to a halt and she had to do some steering before we could continue.


Ainda tínhamos algum tempo, então ela me levou para sua casa e eu conheceria os seus gatos. Primeiro demos umas voltas para ver a região e pegamos uma rua sem saída. Quando chegamos no fim da rua, Marge tinha que fazer um U e voltar no mesmo caminho. A rua era estreita e ela saiu dela para a direita e começou a virar. Não havia espaço e do lado esquerdo tinha uma encosta. Ela tava indo em direção a ela e fiquei tenso, mas ela percebeu que não conseguiríamos (parecia que dava, eu faria o mesmo se estivesse dirigindo). O carro parou bruscamente e ela teve que esterçar para podermos continuar.



Assim que chegamos à casa, eu estava feliz. Tinha muitos livros e estava quentinho. Fomos para o andar de cima, onde havia janelas grandes e uma sala de estar. Nos sentamos e ela disse que eu poderia fazer mais perguntas. Eu pensei, "Deus, ou o kosmos, estava me dando uma segunda chance de consertar as merdas que eu tinha feito na outra parte da entrevista."
Liguei o gravador do celular e fiz mais algumas perguntas. De novo, mais do que uma entrevista, ela me perguntou coisas também, ou encorajou que eu falasse também e estávamos na verdade conversando.

Conheci Xena e Efi. Ela chamou o Puk, mas ele não veio. Quando falei pra ela que adorava suco, ela desceu e foi pegar um copo de suco de oxicoco (nem sabia que era assim que dizia cranberry em português :O ) Ira Wood, o marido dela, chegou. Ele subiu e conversamos um pouco. Ele era a pessoa que ia me levar para a casa da Martha. Ele foi muito simpático e foi muito fácil ver como eles tinham se apaixonado.

Acho que a presença dele me fez me sentir mais confortável e eu comecei a falar pelos cotovelos sobre minha vida. Mas era hora de ir embora. Agradeci Marge e me desculpei novamente pela decisão retardatária de ter ficado mais tempo em Wellfleet. Ai se eu tivesse pensado nisso antes.

O Ira me levou até o chalé da Martha e tivemos mais chance de conversar. Foi lindo. Daí, ele me deixou lá e voltou pra casa. Quando subi, a Molly, parceira da Martha me mostrou o chalé. Foi só então que eu percebi que a câmera havia ficado no meu bolso e eu não tinha tirado nenhuma foto com a Marge. Nem no restaurante, nem na casa, em lugar nenhum. Tinha esquecido completamente e a única prova visual que tenho são as mãos dela no volante, na foto acima.

Me senti tão imbecil de ter feito aquilo. A câmera no meu bolso o tempo todo. Tinha o celular com uma câmera até melhor. Ainda assim, me senti extremamente feliz. Eu tinha sido capaz de fazer algo muito importante. Estou estudando a Piercy por um motivo e ela defende e representa uma série de valores com os quais me identifico. Rezei pra que aquela não fosse a última vez que eu a fosse encontrar (e pelos desenvolvimentos posteriores, aparentemente não será).



Essas são imagens do exterior do chalé que eu fiquei. O custo dele somado ao do ônibus foi menos do que eu gastaria com o aluguel do carro. Pude tomar um banho gostoso e fui para a cama porque estava frio. Comi o resto das guloseimas que tinha na mochila. Consegui uma rede aberta de wifi e baixei dois episódio de Fringe e um de Downton Abbey que tinha perdido. Depois de assistir liguei pro Brasil e fiquei conversando. Foi uma delícia dormir. Na manhã seguinte, acordei bem cedinho e peguei o primeiro ônibus, que passava às 7h00. Queria chegar cedo em Boston pra dar tempo de visitar mais coisas. Algumas fotos matutinas tiradas no ponto de ônibus.



PS - Mesmo antes da entrevista eu estava preparando um poema para a Marge e a situação me deu mais material para terminá-lo. Nunca imaginei que ela fosse ler, que dirá comentá-lo, e ela fez os dois.  =)
Para ler o poema, em inglês, clique aqui.

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