“Há coisas que todos fazemos nas nossas vidas e depois nos
perguntamos constantemente, Por quê? No
que eu estava pensando? O que eu imaginava que ia acontecer? Como
pude fazer isso, com ele, comigo? Invento, elaboro motivos, mas o fato que foi uma estupidez permanence. A
estupidez é um grande mistério para mim, como às vezes eu consigo fazer alguma
coisa tão contrária à razão ou às evidências, isso me assombra ao ter
alguma distância dos fatos.” Marge Piercy, Sleeping with Cats
Então, havia a grande última aventura antes de chegar em casa e retomar a rotina da vida. Estava indo para casa e mesmo que eu tivesse muitas boas memórias da viagem e tinha sido bem sucedido na maioria dos planos, ainda tinha um dia inteiro. Eu podia ter comprado um voo de volta, mas em vez disso, quis tirar vantagem do fato de que estava num país diferente e queria ver as pessoas, a paisagem, eu queria ir mais devagar e realmente sentir e ver o que estar a 10.000 km acima do chão não me permitiria.
Acordei cedo e tomei um banho mais demorado pra me inspirar para o
dia todo. Tinha certeza que não tinha chuveiro no trem, então como eu tomaria
banho mais tarde? O Heraldo havia me mostrado onde estavam as frutas e o cereal
e me disse que eu podia comer o que eu quisesse. Depois de ir embora, fui até
um mercadinho e comprei algumas bolachas e salgadinhos pra viagem. As pessoas
tinham me avisado que a comida do trem era ruim e cara As bolachas não iam ser
o suficiente pra me alimentar o dia todo, mas já era um começo. Quando conferi
o relógio, percebi que eu estava levemente atrasado.
Então comecei a correr para pegar o metrô e nas estações, fui
fazendo uma contagem regressiva, 20 min, 15 min... Demorei meia hora
para chegar na South Station. Tinha 5 minutos pra pegar o trem. Onde é? Deixa
eu perguntar no balcão de venda dos bilhetes. “Seu trem partiu há cinco
minutos.” Choque. “Perdão,
aqui diz 11:45 e agora…” Ela fez cara de desentendida. “É 11:45 de Back bay,
não da South Station.” “Quer dizer que eu vim 10 estações em vez de 4, e perdi
o trem porque não percebi que a cidade tinha duas estações de trem?” Ela
sorriu, se sentindo protegida pelo vidro reforçado. “Bom, isso quer dizer que
eu perdi os 130 dólares que paguei na passagem de volta pra Flórida?” Ela
conferiu o sistema. “Eu posso te colocar num outro trem que vai para Nova York.
Em vez de ter 2:30 para pegar o próximo trem, você terá meia hora para fazer a
troca. É arriscado e você tem que rezar pra esse que vai pra Nova York agora
não ter nenhum atraso.” Cara de ai-meu-deus, que seja. “Quanto é?”
“118” O quê? Paguei 130 pra
ir de Boston até a Flórida, atravessando o país inteiro, e vou ter que pagar quase
o mesmo preço pra ir até Nova York que é aqui do lado? “Tá bom, fazer o quê?”
Então, eu teria que ser muito rápido em Nova York. Tive que
esperar na estação uns quarenta minutos pra embarcar. Um senhor com uma maleta
sentou do meu lado, eu tinha sentado na janela. Tentei ficar calmo, já tinha
surtado no Facebook, e pensava... e se eu tivesse tomado um banho mais rápido,
ou nem tomado, se tivesse acordado mais cedo? Mas não aditava chorar sobre o
leite derramado.
Tentei me divertir tirando fotos da paisagem, afinal, tinha sido
por essa razão que eu ia por terra. Para ver e interagir com ela. Adorei o fato
que havia uma tomada disponível. Eu fiquei no meu celular quase toda viagem.
Pra ver onde estava no GPS, pra conversar com as pessoas no Brasil que estavam
me confortando. Para tirar fotos. Usei ele bastante principalmente quando ficou
escuro e não dava para ver nada do lado de fora. Ficava jogando um joguinho que
descobri, e me divertindo. Mas a primeira parte da viagem eu mais observei e curti a natureza.
Não houve atrasos pra chegar em Nova York. Eu realmente tinha meia
hora pra... comprar coisa pra comer e pra ver Nova York. Peguei minhas malas e
andei pela estação, procurando duas coisas: onde eu podia comprar comida pra
viagem e onde era a saída. Encontrei os dois, mas decidi sair pra na volta
passar no restaurante. Estava conversando com um amigo que me disse: “Você vai
estar em Nova York e não vai vê-la? Tá louco?” Não respondam. Se ele soubesse o que ainda estava para
vir. Então fui até a calçada e estava um pouco assustado pelo movimento das
pessoas andando, dirigindo, conversando nos celulares. Peguei minha câmera,
tirei duas fotos, uma para cada lado e entrei na Penn station. Tinha quinze
minutos e estava contando.
Fui até um KFC e comprei uma salada de frango, uns nuggets, mas
acho que acho que acabei esquecendo de pegar o refrigerante que estava incluso
no combo, mas não queria voltar nem ficar carregando mais alguma coisa. Achei a
fila e me certifiquei duas vezes que era a fila certa. Não queria errar dessa
vez. Aparentemente eu tinha aprendido a lição e foi com alívio que eu vi o moço
conferir a minha passagem e colocar no número da minha poltrona uma etiqueta na
qual estava escrito Jacksonville. Estava pronto pra conhecer mais um pedaço dos
EUA. Vi a Philadelphia, e fiquei surpreso quando percebi que a gente estava em Washington
DC. Não fazia ideia que a gente ia pro oeste em vez de ir diretamente pro sul
(pela costa). Sempre conferia onde estava pelo meu GPS.
Assim que ficou de noite, já tínhamos cruzado Maryland e a
Virgínia. Lembro da estação Richmond. Então chegamos na Carolina do Norte,
passamos por Fayetteville, mas já estava escuro demais pra ver qualquer coisa.
Quando era duas da manhã decidi tentar dormir. Já estava me acostumando a
dormir sentado, nos ônibus e agora no trem. A maioria das pessoas naquele vagão
já estava dormindo e eu não vi nada nem ouvi durante a parte da viagem na
Carolina do Sul. Quando acordei, o sol estava nascendo. Verifiquei e estávamos
na Geórgia.
A parte da Geórgia era basicamente florestas e árvores. Não tinha sinal no celular, então estava sem GPS, sem joguinho e sem telefone. Fiquei observando a passagem, mas só tinha árvores e mais árvores, então comecei a ler algum dos livros que tinha levado. Lá para as nove da manhã, chegamos em Jacksonville e desci do trem. Estava me sentindo cansado já que tinha dormido algumas horas, mas havia muita coisa ainda pra acontecer.
A coisa é, eu não tinha planejado bem aquela parte da viagem. De
alguma forma eu tinha imaginado que eu ia descer do trem e ia ser magicamente
transportado de Jacksonville até Gainesville. Elas eram cidades vizinhas, não
devia ser muito difícil tentar pegar um ônibus e ir para casa. Tentando ser
independente, em um dos meus movimentos de maior estupidez, eu não vi um balcão
de informações e decidi que eu não ia pedir informações. E tentei achar uma
estação de ônibus. Abri o mapa no celular, e decidi andar para uma direção até
que eu chegasse ao centro da cidade ou em alguma estação.
Cheguei numa avenida larga, mais parecida com uma estrada. Andei e
andei e decidi que ia começar a pedir carona. Pus meu dedão pra cima, minha
mala no chão e esperei, esperei. Ninguém dava a menor atenção, talvez fosse
aquele trecho da estrada. Os carros passavam tão rápido que não tinha jeito de
parar. Então comecei andar de volta para a direção da estação, mas não queria
parecer um perdedor, então parava a cada 20 passos e tentava a sorte de novo.
Quando eu estava quase chegando na estação, um cara começou a
gritar comigo. Ele correu um pouquinho e me alcançou e perguntou o que estava
acontecendo. Eu falei que estava precisando de uma carona pra casa e ele
perguntou onde e eu falei Gainesville.
Ele disse que a mulher e ele podiam me levar pra Gainesville e eu
achei que tinha dado certo a ideia da carona, alguém tinha prestado atenção e
logo eu estaria em casa. Ele me levou para o motel que eu tinha acabado de
passar e conhecemos a enorme mulher dele lá. O quarto estava escuro e ele
começou a falar da polícia e se eu tinha um cartão de débito, se eu tivesse,
eles me levavam. Ele disse que precisava do dinheiro pra gasolina e, além disso,
ia precisar de 100 dólares para poder dar para a polícia, caso alguém parasse a
gente por causa da mulher dele, e tal. Que talvez nem precisasse, mas era bom
ter, caso precisasse. Quando ele começou a falar das coisas nesses termos eu
deveria ter corrido, ido embora de volta pra estação. Mas a história na hora
parecia fazer sentido. Ele me levou até o carro, uma van toda fechada atrás.
Era medonha e ele me fez sentar num pneu na parte de trás.
Tinha um monte de mala e roupas jogadas. E umas manchas vermelhas. Era sangue?
De novo, onde eu arranjei a coragem ou a falta de autopreservação
pra entrar naquela van? Não me lembrava das lendas urbanas da infância, com os
palhaços da van levando as crianças pra roubar os órgãos delas?
Eles me levaram pra um caixa eletrônico e tirei o dinheiro. Eu
disse que eu ia ficar com o dinheiro, mas eles disseram que o guarda acharia
estranho ter alguém na parte de trás dando dinheiro, e que era melhor eu fingir
que nem estava lá. Bobagem, mas eu já tinha parado de pensar naquele ponto. E
no caso de ninguém parar a gente, eles iam me dar o dinheiro de volta.
Ele estava dirigindo e eles começaram a discutir. A mulher deu
metade do dinheiro pra ele, e ficou com a outra metade e eu achei aquilo
estranho. Então, ele começou a dirigir pela cidade, e parou na frente de uma
casa. Ficou lá uns 20 minutos e voltou. Olhos vermelhos e respiração estranha.
Ele estava queimando o
dinheiro que eu tinha dado pra ele com drogas. Enquanto eu esperava por ele, eu
conversava com a mulher, dando dicas de como ela podia melhorar a autoestima.
Comecei a ficar puto porque meu corpo estava doendo, eu queria ir
pra casa. Já era quase meio-dia. Comecei a ficar hostil com
eles. Ele admitiu que ele não
ia me levar pra Gainesville, comecei a gritar com eles, exigindo meu dinheiro
de volta. Ele me devolveu 20 dolares. Comecei a chorar dizendo que eu não ia
conseguir voltar pra casa e aquele era todo o dinheiro que eu tinha pra passar
o resto do mês.
Eles me levaram de volta pra estação. Eu estava tão confuso e com
raiva, cansado. Liguei pra polícia e contei a minha história. Assim como vocês,
ele deve ter pensado que eu era retardado, por ter prosseguido na história,
quando estava claro que era um golpe. Como pude ter sido tão inocente? Mesmo a
mulher, em uma das conversas que tivemos ao esperar o cara me disse isso, as
pessoas só querem o seu pior.
Perguntei na estação como fazia para chegar em Gainesville. Teria
que pegar um ônibus até o centro. Lá tinha uma estação de ônibus da Greyhound. Cheguei
lá mais ou menos às 2 da tarde. Quando perguntei à atendente sobre uma passagem
para Gainesville, ela me olhou como se eu tivesse a xingado de um monte de nome
feio. Me falou que não tinha mais ônibus para lá, talvez o da manhã, mas ela
não tinha certeza.
Então sentei num banco e comecei a pensar, pra variar um pouco. A
cidade ficava a 150 km. Quantas horas demora pra andar 150 km? Perguntei para o
Google, 18 horas sem paradas. Não estava preparado para aquilo. Não
havia alternativas online. Então
resolvi me desesperar e comecei a mandar torpedo para meus amigos de
Gainesville que tinham carro e que poderiam vir me buscar. Eu
pagava a gasolina. Ninguém podia. Alguns nem em Gainesville estavam. Eu queria deitar e fingir que
eu não existia. Alguns amigos me deram sugestões. Aceitei uma delas: ir até o
aeroporto e pegar um serviço de transporte de aeroporto a aeroporto que eles
tinham. Andei do terminal até o terminal de ônibus municipais e esperei meia
hora pra pegar o ônibus pro aeroporto e mais meia hora pra chegar lá. Quando me
informei, pensei duas vezes. Talvez fosse mais barato alugar um carro, mas não estava
emocionalmente ou fisicamente preparado para dirigir.
Então, conversei com a atendente e seria 144 dólares. Fiquei puto,
especialmente comigo mesmo. Devia ter previsto isso. Teria que fazer uma grande
economia nos próximos meses para compensar essa minha sandice. Uma sandice bem
cara. Lá pras 6 da tarde, quase 8 horas mais tarde do que deveria, cheguei em
casa.
Me sentindo como um pedaço de cocô (pra ser eufemista), tomei um
banho e fui pra cama. Prometi pra mim mesmo que eu não ia mais viajar de novo.
(Ah se eu me ouvisse pra variar haha)
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